quinta-feira, 8 de abril de 2010

Lar de vazio.

Nunca pensei que o peso fosse tão grande. Que o vazio fosse tão forte. Que as almas esquecidas do mundo fossem tantas.

Ia preparada para o que ia ver mas não pensei que a imagem fosse tão triste.

Pensei que um lar de idosos pudesse ter um pouco mais de vida. Pensei que houvessem alguns moribundos perdidos pela sala mas que a maioria se entretivesse com algo. Com jogos, com conversas, com televisão. Mas que se entretivessem com algo.

As cadeiras são sempre muitas e o espaço é grande demais para o vazio das almas que lá se encontram. O tempo passou e levou com ele a capacidade destas pessoas de se moverem, a capacidade de conversarem, a capacidade de terem vontade de viver. Estas pessoas esperam. Esperam pelos amigos que não vêm. Esperam pela família que chega aos poucos e raramente aparece. Esperam por um momento de conforto, um sorriso, uma novidade. Sentam-se, aconchegam-se e esperam.

Eu tentei trazer um pouco de luz. Um sorriso afável. Um "Boa tarde" sentido. Tanta gente. Tantos rostos. Tantos corpos sem força. Tantas almas perdidas. Tantos lugares vazios.

A mim deram-me um sorriso. Uma conversa desproporcionada mas que me deu uma imensa alegria apesar da tolice que foi dita. E espero que tenha dado um momento de satisfação no entretanto.

Num lar de idosos, o sentimento que encontrei foi o da espera. Eles são muitos e esperam. Agarram-se ao silêncio e esperam que o tempo passe e o descanso eterno chegue.



Entrei pelo átrio com a minha avó pelo braço. Do lado direito encontrei 9 cadeirões distribuídos em filas de 3.
Virada de frente para mim, com um andarilho e os seus pertences, encontrava-se uma senhora a ocupar uma das poltronas. Achei-a bonita. Cabelo cor de neve, olhos de uma cor que o tempo foi apagando, e a pele enrugada da face esguia demonstrava uma idade generosa. No entanto parecia ter um ar extremamente infeliz.
- Boa tarde - dissemos as duas quase em uníssono, para o todo que era a sala, mas principalmente para a senhora.
Olhou-nos como quem tenta perceber quem é e a expressão desolada desapareceu para nos entregar o sorriso mais sincero que alguma vez vi.
- Boa tarde! - respondeu alegremente numa voz jovial. Olhando para mim exclamou - Ah! A menina está cada vez mais bonita!
Um "Obrigado!" divertido saiu-me pela boca. Apanhada de surpresa, aquele momento trouxe-me uma alegria instantânea pois nunca tinha vindo a este lugar. - Até já!
Virámos à nossa esquerda para aquela que é a sala de estar e o meu ânimo esmoreceu por momentos. Algumas dezenas de cadeirões cinzentos encontravam-se espalhados naquele espaço amplo. Metade vazios. Metade cheios. De pessoas a quem a idade tirou tudo menos a vida. Pessoas essas que observavam quem chegava e se sentiram esperançosos por um momento demasiado curto de que essa novidade viesse à sua procura.
Decidida a manter o ânimo do primeiro "encontro" fui passeando o olhar pela sala e soltando um "Boa tarde!" sorridente a quem o quisesse receber.
Não encontrámos de imediato quem procurávamos. Confesso que nem conseguia encontrar na memória a cara do velho amigo da família. Esperava já encontrá-lo no seu pior.
Perguntámos a uma das assistentes.
- Está a lanchar, vão ter de esperar.
Voltámos para trás decididas a esperar no átrio de entrada. Ao menos ali o momento tinha sido alegre e ainda se conseguia respirar sem esforço.
No caminho reencontrámos a minha amiga. Passinho a passinho, encostada ao seu andarilho, vinha decidida e ao olhar para nós voltou a recuperar aquele sorriso enorme.
- Vou lançhar! - disse-nos alegremente.
- E faz você muito bem. - respondi-lhe
- É a sua mãe? - perguntou-me olhando para a minha avó.
- Não, não! É a minha avó!
- Ah! É que é tão bonita... Mas a menina é linda!
Sorri de satisfação. Não pelo elogio em sim. Mas pela espontaneidade do mesmo. Nunca elogios me souberam tão bem como este.
- Ah muito obrigada!
- A sério! Parece a princesa de Inglaterra!
Soltei uma gargalhada. - Oh que bom! Obrigada!
- Sabe, - volveu - este casaco era dela, da princesa. - disse apontando para um casaco creme pendurado em cima do andarilho. Engraçado como tinha ali todos os seus pertences: um casaco, uma pequena manta preta, e uma pequena malinha cheia de coisas. E continuou - Trouxe a minha sobrinha, que trabalha lá numa empresa, não sei bem, e foi lá, e conheceu a princesa e trouxe este e outro que tenho guardado no quarto. - E voltou a sorrir o mesmo sorriso sincero de satisfação.
- Ah muito bem, é muito giro sim senhora.
- Mas pronto, agora tenho que ir lanchar antes que voltem a ralhar comigo. Sabem, não tenho muita fome, comi muito bem ao almoço, mas sei que tenho que comer qualquer coisinha agora. Vou beber um chá! Até logo, gosto em vê-las.
- Então até logo, bom apetite. - respondi-lhe.

Senti-me feliz. Por este momento o dia valeu a pena. Nunca um elogio me soube tão bem na minha vida.

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