quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Ninguém

Gostava de ter de tudo para saborear o nada. Saber o que é a manhã e aproveitar o nascer do sol com os olhos abertos e o espírito em liberdade.

Gostava de ser artista, de ser alma, de ser paixão. Pura, sem medos, sempre à deriva na descoberta de ser o mundo. E depois espernear, esticar os braços e tocar o infinito.

Gostava de ser pássaro, ser borboleta, ser efémera e ser eterna. Porque a imagem é sempre a mesma e a forma no entanto muda de cada vez. As asas são outras, as cores são outras e a visão que se tem do mundo também.

Gostava de saber para onde. Gostava de saber para quê. Gostava de saber como. Gostava de simplesmente ser. Eu. O outro. Ou no fundo não ser ninguém.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A ti que desconheço

Não te devia dar esta importância, até porque provavelmente nunca me vais ler. Mas acho que a mereces.

Começo por te dizer que não te odeio. Nem pouco nem muito. Não te odeio de todo. Sei que não és má pessoa, que não ages de má fé nas coisas que fazes e que amas o que tens. Aliás, que razões teria eu para te odiar? Apareceste para tentar curar o que eu feri, e depois de muito esforço finalmente conseguiste. Só te tenho de agradecer.

Já o contrário acho provável e minimamente aceitável. Não acho que mereça. Mas acho que tens esse direito. Por isso deixo que me odeies ou que te seja indiferente pois sinceramente não sei o que é pior.

Há algo que não gosto. Que partilhes os meus amigos. Que tenhas vindo procurar-me para os descobrir e ficares a conhecê-los. Porque não sei até que ponto não o fizeste com a intenção de me irritar e isso irrita-me. E se te faz feliz que algo que faças me incomode, muito bom proveito.

Espero do fundo do coração que sejas feliz. Depois de tudo o que sofreste mereces paz e sossego e uma vida melhor junto de alguém que te merece. Só espero que tenhas encontrado esse alguém e que esse alguém te faça feliz. Não vou fingir que não me custa ver o que outrora foi meu nas tuas mãos, mas a verdade é que o carinho que sinto por ver-vos felizes ultrapassa aquele pequeno aperto de ciúme. E não digo nada disto com ironia ou desdém. Digo tudo isto com sinceridade plena.

Não sei se quero um dia conhecer-te e dar-me a conhecer. Não sei se algum dia vou querer voltar a ser amiga de quem te pertence. Mas sei que quero que encontrem a felicidade e se a encontrarem juntos ainda bem.

Até talvez um dia.

domingo, 3 de outubro de 2010

Pânico solitário


O esforço para me carregar a mim própria até tem tido os seus frutos. Na maioria dos dias que se atravessam à minha frente aguento-me com alguma facilidade. Chego a comentar comigo mesma que sou feliz. Mas hoje não é o caso.


A verdade é que o pânico da solidão ainda vem de vez em quando. Como hoje. Há dias em que o coração reclama os seus direitos e me pergunta onde está o carinho, o amor e tudo o resto. Onde está a família, onde estão os amigos. E a minha mente esforça-se para o mandar calar. Com que direito pode o meu coração fazer perguntas tão pertinentes? Com que direito se sente ele de dizer o que sente? Todo o direito, bem sei. Mas mesmo com todo o direito de o fazer, quero que se cale. Porque o sacrifício tem de ser feito e ele tem de se aguentar sem nada do que pede.


Ainda tenho medo da solidão. Não gosto de voltar para uma cama vazia. Não gosto de não ter um número para onde ligar e poder contar o meu dia. Não gosto de não ter com quem passear, com quem fazer compras, com quem ir beber um café e comer uma tosta mista. Mas a verdade é que a opção que fiz na minha vida é outra. Por agora vou ter de ir aumentando a saudade, a distância, o vazio para poder me ter a mim e seguir o que preciso para ser feliz. O pânico que me atravessa surge-me por saber que aquilo que preciso pode nunca vir até mim.


E sim tenho medo da solidão. Tenho medo de querer voltar e não ter uma casa que diga ser minha. Não ter amigos que me reconheçam. Não ter carinho. Não encontrar o braço direito. E não encontrar a metade que me falta. Por isso hoje estou em pânico. E não tenho ninguém por perto que me possa abraçar e dizer "estou aqui".